Posse de arma, bom ou ruim?

André Guimarães Sakata
4 min readNov 11, 2018

O Brasil vive uma crise de segurança que não é recente. Segundo os dados publicados no Mapa da Violência, em 2014 ocorreram 42 mil homicídios no Brasil apenas por arma de fogo, o que nos leva a uma taxa de 21,2 homicídios a cada 100 mil habitantes.

Para comparação, nos Estados Unidos foram registrados 4 homicídios por arma de fogo a cada 100 mil habitantes em 2015, e esse número já é alto em comparação com outros países desenvolvidos.

Nesse cenário, uma das propostas de segurança do presidente eleito do Brasil é flexibilizar o porte e posse de armas, assunto que divide opiniões. De um lado, defende-se que uma população armada reduziria a violência porque criminosos evitariam o contato direto com suas vítimas, e do outro acredita-se que inserir mais armas em uma sociedade já tão problemática apenas geraria ainda mais problemas.

Ambos os lados apresentam dados mostrando correlações que indicam a efetividade de cada proposta em diversos países do mundo. Porém, correlação não significa causa, e para tentar entender um pouco mais sobre o assunto eu busquei alguns artigos sobre o tema e vou compartilhá-los aqui.

Relação de homicídio e posse de armas

O desafio de entender o impacto da presença de armas nos níveis de violência de uma população é que diversos aspectos socioeconômicos e culturais influenciam na incidência dos crimes.

Um dos artigos que li foi o “State-level homicide victimization rates in the US in relation to survey measures of household firearm ownership, 2001–2003”, do Harvard School of Public Health, publicado em 2006. Nele buscou-se examinar a associação no número de armas em residências e o número de vitimização por homicídio pelos 50 estados dos Estados Unidos — controlando questões como urbanização, desemprego, pobreza, privação de recursos, e outros fatores.

Os resultados foram que estados com mais armas possuem mais homicídios por armas de fogo. Mesmo que o estudo de forma isolada não poderia garantir uma inferência causal sobre essa relação, ele sugere que a presença de armas em casa contribui direta ou indiretamente para o homicídio de mulheres, homens e crianças.

Como o estudo não prova causa nessa relação, pode-se dizer que os estados com maior número de armas já eram violentos e isso caracterizaria uma causalidade reversa (uma reação da população à insegurança já existente). Porém, nesse caso não haveria explicação a princípio para o número de homicídios sem armas não estar associado a quantidade de armas no estado (se a população possui muitas armas devido a violência, os homicídios sem arma deveriam seguir essa tendência). Além disso, não houve associação entre a taxa de roubos e assaltos com a prevalência de armas em residências, o que também não faria sentido em caso de causalidade reversa.

Our findings that household firearm ownership rates are related to firearm and overall homicide rates, but not to non-firearm homicide rates, for women, children and men of all ages, even after controlling for several potential confounders previously identified in the literature, suggests that household firearms are a direct and an indirect source of firearms used to kill Americans both in their homes and on their streets.

O artigo também fala que os achados foram consistentes a outros estudos que analisaram a associação entre posse de arma e feminicídios praticados em casa. Existe a menção a um artigo de 1987, que ao analisarem a base de dados de homicídios de Chicago, foi constatado que mais da metade dos homicídios de mulheres e menos de um quarto dos homicídios de homens aconteceram em casa.

Outro estudo interessante, publicado em 2015, fala sobre a relação entre prevalência de armas de fogo e homicídios de policiais nos Estados Unidos. A conclusão do estudo é que policiais que trabalham em estados com maior quantidade de armas tem 3 vezes mais chances de morrer do que seus parceiros que trabalham em estados com menores quantidades de armas — ou seja, um desserviço para policiais.

Suicídio

Nos EUA, diferente do Brasil, a maior parte das mortes por arma de fogo são suicídios (a taxa de homicídio por 100 mil habitantes em 2015 foi 4,0 e a taxa de suicídio foi 6,9).

Sabe-se que diminuir ou dificultar as formas de suicídio reduzem a chance dela acontecer. Um dos estudos mais famosos sobre o assunto é o “The coal gas story”, que descreve como o Reino Unido conseguiu prevenir um terço dos suicídios na década de 70 apenas trocando o gás de carvão por gás natural nas residências. Descobri que nessa área existem também muitos trabalhos relacionando mais armas com mais suicídio.

Conclusão (e opinião)

Segundo a matéria do Monitor da Violência do G1 (dentre outras matérias de outros canais que encontrei), o perfil de quem mata e quem morre no Brasil é o mesmo: negro, pobre e com pouca escolaridade — ou seja, pessoas marginalizadas da sociedade.

A proposta de segurança hoje é armar a população e permitir que policiais tenham “retaguarda jurídica” para serem letais em operações e eu não consigo ver como isso pode ajudar quem mais morre no país.

Poderíamos discutir sobre se deveríamos poder comprar armas puramente pela liberdade — eu continuaria sendo contra, porque não acho moralmente aceitável comercializar um produto cujo o único objetivo seja matar ou ferir gravemente outra pessoa — mas essa seria uma conversa diferente. Associar isso a política de segurança pública, pelo pouco que aprendi sobre o assunto nos últimos dias, não funciona. Por isso, torço para que o país siga um caminho diferente no combate a violência.

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André Guimarães Sakata

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